2017 – Painel: Composição de Espaços

quinta-feira, 01/06, 10h

A região central: experiências do cinema no embrião da realidade virtual
Miro Soares (Ufes)

A partir da análise da obra La Région centrale (1971), de Michael Snow, este artigo pretende apresentar algumas contribuições do cinema experimental ao desenvolvimento de práticas de realidade virtual. O caráter de investigação formal do cinema experimental sempre serviu para questionar o próprio meio cinematográfico e expandir seus limites. Integrando uma diversidade de técnicas manuais, mecânicas e eletrônicas estranhas ou alternativas à indústria, esse gênero foi frequentemente capaz de oferecer novas percepções de tempo e de espaço, para além das fórmulas estabelecidas no cinema tradicional. Nesse sentido, não é difícil de enxergar algumas de suas contribuições para as práticas realizadas no campo da realidade virtual. La Région Centrale é uma obra conceitual, um filme monumental de três horas, produzido por Michael Snow no alto de uma montanha deserta no norte do Quebec. Não narrativo, o filme trabalha sobre a exploração da paisagem e tem a particularidade de ter sido filmado com a ajuda de uma máquina concebida para girar a câmera em todas as direções. Não há cinegrafista. Trata-se de uma entidade visível sem um operador humano, criando um espaço fílmico automatizado. A narrativa cede espaço para a experiência do espaço. Trabalhos como esse são exemplos de como o cinema experimental foi capaz de promover mudanças em nossa percepção do espaço por meio de imagens técnicas, mudanças que continuariam progressivamente se completando em práticas de realidades virtuais com a integração de ambientes e elementos gerados por computador e com a possibilidade de interatividade do usuário a partir de uma interface.

Miro Soares é artista visual, filmmaker, pesquisador e viajante. Trabalha na interseção dos campos da fotografia, do cinema, do vídeo e de novas mídias. É doutor em Artes e Ciências da Arte pela Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne. É mestre em Artes pela École Supérieure d’Art de Grenoble e mestre em Artes e Mídias Digitais pela Université Paris 1. Atualmente é professor adjunto do Departamento de Artes Visuais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Seus trabalhos têm sido exibidos em exposições, festivais de cinema e festivais de arte e tecnologia em mais de vinte países. Entre outros reconhecimentos, Miro Soares foi premiado pela Fundação Bienal de São Paulo, teve trabalho comissionado pelo Centre Pompidou e recebeu bolsa de produção da Bergen Kommune.

 

O documentário expandido e as imersões no real
Alberto Greciano Merino (IFMA)

O presente trabalho procura desenvolver uma reflexão crítica sobre como os documentaristas estão fazendo interagir na dramaturgia de suas obras os avanços tecnológicos que oferecem as tecnologias audiovisuais VR360. E, com isso, discutir sobre as marcas de constituição que estão deixando essas tecnologias no campo do documentário. Para elucidar esse fenômeno, proponho operar empiricamente com as obras As It Is – A Grand Canyon (360Labs, 2015), Rio de Lama (Tadeu Jungle, 2016) e La Vampiria del Rava” (Jimena Tormo, 2016), apontando possibilidades de apreensão analítica em três níveis: mecanismos retóricos da imagem (símbolo, metáfora, alegoria), bases ontológicas (narrativa, verdade, reflexão) e marco epistemológico (clássico, moderno, complexo). O que se busca entender é que o documentário, ao se situar na conjuntura desse mundo visual, já não pode se focalizar como uma forma vetorial, e sim abre possibilidades reflexivas sobre a diversidade de condicionantes que albergam os fatos e sobre as ideias que se desenvolvem ao redor dessa variedade. Pois a operatividade consciente que oferecem essas tecnologias de representação provoca um amplo impacto na compreensão do espaço, que nos obriga e, ao mesmo tempo, nos ajuda a pensar de forma distinta – um modo de pensamento esférico que amplia a nossa capacidade humana.

Alberto Greciano Merino é doutor em Comunicação Audiovisual e Publicidade pela Facultat de Ciències de la Comunicació da Universitat Autònoma de Barcelona (UAB), na linha de pesquisa “Teoria e história da Representação Audiovisual”. Graduado e Especialista em Publicidade e Relações Públicas pela Faculdade de Ciências da Informação da Universidade Complutense de Madri (UCM). Estudou direção e roteiro de documentários na Escola Internacional de Cinema e Televisão EICTV (San Antonio de los Baños-Cuba) e cursou estudos sobre história e estética do cinema na Edinburgh University (Edimburgo-Escócia). Atualmente atua como pesquisador do Núcleo de Pesquisa e Produção de Imagem (Nuppi), no  Departamento de Artes Visuais do Instituto Federal do Maranhão (IFMA). Tem experiência e interesse nas áreas de comunicação e estudos visuais, tecnologia midiática e redes digitais, cinema e documentário, relações culturais e interação social, programação e exibição.

 

Tópicos sobre o desenvolvimento da linguagem cinematográfica 360
André Paz (Unirio) e Claudia Holanda (UFRJ)

Nos últimos anos, houve uma intensa produção de narrativas imersivas cinematográficas 360 voltada para uma recepção em mobile headsets, reconhecida, em parte, em festivais internacionais, como na mostra New Frontier do Sundance Festival. Entre elas, 6 X 9 (2015), Nomads (2016), Clouds Over Sydra (2016) e Miyubi (2017). Trabalhos como esses apontam para o desenvolvimento de uma linguagem incipiente de realidade virtual cinematográfica, com noções próprias de composição, continuidade e narrativa, para as dimensões imagética e sonora. Essas noções estão relacionadas em grande parte com as condicionantes tecnológicas de produção, distribuição e recepção. O trabalho se propõe a discutir tópicos sobre desenvolvimento dessa linguagem emergente levando ainda em conta a dimensão sonora das narrativas imersivas cinematográficas, a partir da análise de obras de referência internacional.

André Paz é professor, pesquisador e diretor de documentários e narrativas interativas e multiplataformas. É professor adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). É coordenador e editor do Bug404 (bug404.net), rede e portal sobre narrativas interativas e imersivas. Faz pós-doutorado no Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) na UFRJ, com projeto de pesquisa sobre narrativas interativas não ficcionais em multiplataformas. Doutor pela COPPE/UFRJ, com tese sobre pensamento imagético, novas linguagens e mídias digitais no universo das imagens técnicas. É pesquisador associado ao Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social (LTDS/COPPE), onde trabalha com tecnologia, narrativa e filosofia contemporânea. Tem trabalhos e artigos publicados em congressos e revistas nacionais e internacionais. Produziu e dirigiu uma série de webdocumentários, vídeos e documentários.

Claudia Holanda é artista e pesquisadora. Graduada em Comunicação Social pela UFPE. Mestra e doutoranda em Engenharia de Produção pela COPPE/UFRJ com pesquisa sobre cartografias de sonoridades e escuta. Entre 2015 e 2016, cursou doutorado sanduíche no Sonic Arts Research Centre da Queen’s University Belfast, Irlanda do Norte (UK), desenvolvendo trabalhos em arte sonora, música e tecnologia. Atua também como analista de projetos culturais na área de música no Ministério da Cultura e em editais nacionais. Parecerista do Leonardo Music Journal. Integra a rede e portal sobre narrativas interativas e imersivas BUG404. Professora do curso intensivo Narrativas Interativas, na Universidade Veiga de Almeida (Rio de Janeiro). Possui trabalhos artísticos e acadêmicos apresentados em festivais e congressos no Brasil e Europa, e artigos publicados em periódicos internacionais.

 

A condição pós-virtual da imagem: dos ambientes imersivos à imagem performativa
Cesar Baio (UFC)

Se for possível identificar algum traço comum na arte produzida a partir do surgimento das interfaces digitais, esse poderia ser descrito como uma busca incessante por fazer da experiência estética uma especulação crítica sobre os modos de existência da imagem, as formas de representação e os modelos de conhecimento em vigor atualmente. Sensível a esses aspectos da produção simbólica contemporânea, este texto parte da problematização dos regimes de imagem no contexto da realidade Virtual, das Caves e dos panoramas digitais, a partir de autores como Michael Heim, Anne Friedberg e Söke Dinkla. As análises empreendidas revelam que esses trabalhos estão alinhados às heranças platônicas que estiveram presentes de diferentes maneiras ao longo da história das imagens técnicas, de modo que eles estariam vinculados ao que será definido como regimes de absorção. Em contraposição ao regime de imagem instituído nessas obras, o exame da produção em arte cibernética, realidade aumentada, mídias locativas e vídeo interativo evidencia que muitas dessas obras respondem melhor a uma cultura permeada pela ubiquidade computacional e pelas redes cíbridas (Peter Anders). Pensada a partir do conceito de “imagem como projeto”, de Vilém Flusser, essa produção tende a estabelecer outros regimes de imagem, fundados em sua condição performativa, no valor significante da presença (Hans-Ulrich Gumbrecht e Paul Zumthor) e no gesto (Vilém Flusser). Assim, os argumentos finais conduzem à hipótese de um regime pós-virtual da imagem, no qual as virtualidades da imagem se integram definitivamente àquelas da experiência concreta do mundo.

Cesar Baio possui doutorado (2011) e mestrado (2007) em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Realizou estágio de doutorado sanduíche no Vilém Flusser Archive – Universität der Künste Berlin (UDK). Tem formação em Eletrônica e Comunicação Social. É professor do Instituto de Cultura e Arte da Universidade Federal do Ceará, atuando no Programa de Pós-Graduação em Artes e no Curso de Cinema e Audiovisual. É pesquisador colaborador do Grupo de Pesquisa Fotografia, Imagem e Pensamento (UFRJ) e do CISC – Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia (PUC/SP). Sua pesquisa está direcionada à imagem técnica e aos aparatos tecnológicos de mediação nos campos da arte e da comunicação. Seu trabalho têm sido elaborado crítica e poeticamente por meio de textos publicados em revistas, livros, seminários e, também, de instalações audiovisuais, obras interativas, intervenções urbanas e vídeos.